*Francisco Nazareno
Não faz muito tempo que os movimentos sociais no Brasil lutavam por causas com sentido de universalidade, fundamento e direção. A abrangência e independência intelectual dos ativistas nas entidades de classes, nas escolas, nas igrejas, nos partidos políticos instigava e despertava discussões e debates estimulantes pela pregação de uma nova ordem. A reconquista de tempos democráticos e justiça social eram causas nobres.
Na década de 80 do século passado os movimentos sociais alcançaram o apogeu com a campanha das Diretas Já em 1983/84, a vitória no Colégio Eleitoral em 1985, a promulgação da Constituição em 1988 e a primeira eleição direta para presidente após o regime militar, em 1989. Foram os anos dourados das grandes manifestações sociais e políticas. Bons tempos.
A ascensão ao poder de partidos ditos de esquerda na sua origem entortou e deu outro balanço aos movimentos, deformando suas ideologias. Boa parte das entidades de classe foi arrancada do tronco de seus ideais e o glamour intelectual dos ativistas deu lugar ao oportunismo e à boçalidade.
O fato é que os novos tempos andam sombrios e o pensamento dogmático que na história da humanidade já causou perseguições, torturas e assassinatos, parece que volta a prevalecer sobre o pensamento crítico e a racionalidade. Talvez estejamos vivendo a situação que inspirou o livro de Karl Popper (1902-1994): A sociedade aberta e seus inimigos.
Entidades que se dizem sem fins lucrativos, mas que são exímias caçadoras de verbas públicas e ativistas encastelados _ que nas palavras do ex-ministro Almir Pazzianoto, mantêm “relações bastardas com o governo”_ tornaram-se meros repetidores de palavras de ordem (ou fora de), fazendo barulho esquizofrênico e confusão demagógica sobre questões sem brilho nem importância para a sociedade.
Não demora muito, dado o nível de deslumbramento e a pretexto de se auto-intitularem minorias, estes grupos irão exigir atendimento preferencial em postos de saúde, agências bancárias e assentos reservados nos coletivos.
Do outro lado, muitos líderes religiosos, preocupados muito mais com vantagens e bem menos com o espírito, alinham-se com assustadora facilidade ao grupo político dominante, chegando à pachorra de comparar anúncio de obras públicas com passagens bíblicas. Forçam a barra e ainda atropelam o segundo mandamento.
Nesta nova ordem, líderes de igrejas que figuram em listas dos homens mais ricos do país e movimentos ativistas de toda espécie influenciam na composição de ministérios. Manter certa desconfiança em relação a eles é medida cautelar porque agridem e subvertem o estado democrático de direito, a norma e os fundamentos da sociedade.
Qualquer pessoa que ouse criticá-los deve tomar certo cuidado e pudor, pois a acusação de anticristo de um lado, ou de racismo e homofobia por outro, é de impressionante ligeireza.
Neste declinismo de idéias, não causa perplexidade que o debate dominante seja protagonizado pelos deputados federais do baixo clero, Marcos Feliciano e Jean Wyllys. O primeiro, durante um culto, reclamou de um descuidado fiel por ofertar um cartão de crédito sem a informação da senha. O segundo, sem saber diferenciar o direito de livre opinião de preconceito e homofobia, incentiva a bagunça de ativistas dentro do Congresso para expulsar Feliciano da Comissão de Direitos Humanos e Minorias por este ter se manifestado contra o casamento homossexual. E se fosse a favor, estaria valendo?
Ao tempo em que querem expulsar Feliciano da CDHM no grito, não há nenhuma manifestação de ativistas ou entidade contra as presenças de José Genoíno, João Paulo Cunha e Paulo Maluf na Comissão de Constituição e Justiça que sorrateiramente quer acabar com o Supremo Tribunal Federal, tirando-lhes os poderes. É estranho porque são os mesmos grupos que demonstraram enorme valentia com insultos e ameaças contra a blogueira Yoani Sánchez por denunciar as atrocidades da ditadura cubana, pela qual nutrem profunda simpatia.
Nesse ritmo, enquanto cresce o armazenamento de ódios, a demagogia e a erosão dos valores e liberdades, outras coisas estranhas vão acontecendo, deixando na sociedade uma sensação de anormalidade.
Os novos “progressistas” tentam empurrar goela abaixo um tal ‘Direito Achado na Rua’ para subverter o Direito Constitucional; querem adotar normas estranhíssimas à gramática em contraste à norma culta para poder falar, como bem escreveu Guilherme Fiúza em artigo de fina ironia: “nós pega o peixe e entrega ao pastor”, exemplificado no caso real do Ministério da Pesca; apelam à criação de cotas para todos os gostos em detrimento do mérito; e por aí vai…
O chiste que corre é que no caso de Fernando Henrique Cardoso ser eleito para a Academia Brasileira de Letras pela formação e contribuição acadêmica e brilhantismo intelectual, manifestantes exigirão imediatamente a criação de cotas para a casa de Machado de Assis.
Não é difícil adivinhar o candidato deles para o primeiro da lista.
Deus proteja o Brasil destes movimentos.
Francisco Nazareno é diretor do Instituto Teotônio Vilela – ITV – Seção/Acre