O Teatro dos vampiros

Nem tinha desligado o celular direito, e já teve de dar um sorridente bom dia aos educados e polidos seguranças da Assembleia Legislativa. Era o primeiro dia como deputado, não sabia bem se aquilo era trabalho, mas sabia que estava entrando em exercício para a honrosa função vendida pelo povo.

Como parlamentar, teria de aprender a mudar rapidamente a configuração facial. É um mundo muito imprevisível, repleto de antagonismos e similaridades que ele deveria entender. Isso porque, sair de uma ligação nervosa, em que seus eleitores e patrocinadores lhe cobravam a vitória, para um semblante celestial, ao adentrar o recinto parlamentar, estava lhe custando caro.

Sentia-se nervoso! Pensava em como conseguiria pagar todos os votos comprados, todas as alianças espúrias e ilícitas que fizera nas eleições. Sentado em uma confortável cadeira na sala da sessão, somou umas vinte vezes tudo o que iria receber legalmente nos quatro anos do mandato, e viu que mesmo assim não teria recursos para cumprir todas as lutas de campanha.

Alguma coisa precisava ser feita. Não sabia especificamente bem o que, mas tinha total convicção que lá dentro tudo se arrumaria. Afinal não era ele o único nem o primeiro a estar nessa delicada situação. Com o contato mais próximo, com a ciência dos mecanismos certos, com a comunhão de propósitos, a união faria a força e revelaria a fonte das soluções para esses leves estorvos. Era o que pensava pensativo em seus pensamentos pensados, rodando com os dedos a nova caneta banhada a ouro.

À tarde, depois de um destacado almoço com os novos amigos de interesses, recebeu de umas empresas de construção civil flores; de umas de publicidade, parabéns em papeis coloridos e caprichados e de umas lojas do comércio local, caixas de chocolates amargos e vinhos, envelhecidos, como a necessária prática de corromper.

Aquela suntuosidade cerimonialesca não lhe era estranha, viu algo do gênero na festa de diplomação. As homenagens, os parabéns e os afagos indicavam a importância da nova vida que deveria levar. No meio de tanta gente importante, no fundo, sabia que tantos os magistrados quantos eles eram cientes do cinismo que se concretizava ali.

Era um jogo combinado, fazia parte do trato da democracia suja e arranhada que marcava todo processo eleitoral. Os juízes sabiam que entregavam certificado parlamentar para pessoas da pior espécie, aproveitadores que fizeram de tudo para serem eleitos. Votos conscientes, só os deles próprios, pois queria entrar na panela do poder.

À noite, o Líder dos Bacanas marcou com ele umas “boas vindas” no seu Gabinete, a fim de tratar de pormenores comuns e pontuais que ocorre lá dentro. Talvez pela sua imaturidade e despreparo no mundo político, espantou-se em saber que o porta-voz do executivo tinha interesse em saber quem era quem na sua família, o que faziam e se cogitavam fazer parte do projeto de poder instalado no estado.

Quando cientificado dos problemas financeiros que passava para estar ali, recebeu do visitante uma resposta sugestiva, marcada nem tanto pelo laconismo, mas pela suntuosa e monumental indiferença: fica com a gente. O resto é bem menor do que parece.
Na saída, passando pelos corredores espelhados da Assembleia, se viu bonito, sentiu na roupa que era mesmo importante. Arrumando o terno, lembrou-se daqueles charmosos artistas de Hollywood que se apaixonam por lindas mulheres em jantares românticos.

O “boa noite” assorrisado da secretária e o aperto de mão da assessora lhe fizeram bem e importante. No mesmo dia, reuniu as condições necessárias para entender que a mulher que com ele vivia há mais de vinte anos precisava ser trocada. Convenceu-se disso mais apressadamente, ao olhá-la no outro dia de manhã, perguntando se ele iria querer pão com ovos.

A alegria estava em outras faces. O mundo é melhor visto de cima. A morte é para todos, a boa vida não! Um beijo iria acontecer. A paixão é mesmo inusitada, mas o dinheiro compra o amor nesse triste teatro dos vampiros.