Patrão não fala pelos Povos da Floresta

Produzir está no cerne da cultura indígena. Em recentes fotos tiradas de índios isolados no Acre, foram registrados grandes roçados de milho, mandioca, plantação de banana, mamão, algodão e outras culturas. Nas fotografias pode se observar a diversidade produtiva desse povo único.

Ao contrário do que o governador acreano, Gladson Cameli, disse recentemente em entrevista à Folha de São Paulo, há quem faz a opção de viver na floresta. Esses índios sem contato são um bom exemplo disso, e também prova de que produzir é tradição secular, contradizendo (as afirmações levianas e preconceituosas daqueles que desconhecem a dinâmica agrícola nas Terras Indígenas (TI).

A ofensiva da classe política no poder contra os povos indígenas é grande, é também mais um momento de esclarecer à sociedade a importância de combater o preconceito e a ignorância em relação a essas culturas brasileiras. O discurso de que os povos da floresta estão na miséria e não querem mais viver com a natureza é estratégia dos patrões, de quem manda nos negócios, para invalidar o direito conquistado por esses grupos de estarem em seus territórios.

O Acre possui 36 TIs, das quais 29 já têm seus planos de gestão elaborados e em execução, uma autoafirmação do que precisam e de como irão fazer o uso de sua casa. Cada morador destas TIs não precisa que o governador do Acre venha a público, em imprensa nacional, dizer que “essa conversa de que os índios querem ficar em suas aldeias é tudo conversa para enganar o mundo afora”.

Os parentes puyanawas, lá em Mâncio Lima, sabem muito bem o que querem fazer com sua área, desde o fortalecimento de sua cultura ancestral, até à produção de farinha de mandioca, frutíferas e piscicultura. Em 2017 eles plantaram 86 hectares de mandioca, com expectativa de 600 toneladas de farinha produzidas em 2018.

Nesse mesmo período, foi executado um projeto, em parceria com o governo do Estado, para plantio de sistemas agroflorestais com frutíferas – açaí, maracujá, graviola, castanha. Puê, uma das lideranças da comunidade, também responsável pela coordenação da produção, mostra bem a diferença de entendimento sobre a terra: “nosso objetivo é plantar para ter o que comer”. Vale a pena perguntar às famílias puyanawa se querem sair da aldeia.

Assim como é necessário que o “comandante” do Estado conheça a Aldeia Pinuya, na TI Colônia 27, em Tarauacá. Lá, o povo Huni Kui desenvolve a recuperação de uma antiga fazenda. Cerca de 305 hectares de pasto degradado se transformou em uma bonita floresta, que abriga quase 40 famílias. Na área é produzido banana, milho, abacate, mandioca, além da criação de abelhas e peixes.

Inclusive, um grupo político da Aldeia 27 apoiou a candidatura de Gladson para o governo. Será que eles querem sair da aldeia, como afirma o estimado governador? Maná, uma das lideranças da Pinuya, professor, ex-vereador da cidade, presidente da Organização dos Povos Indígenas do Rio Tarauacá (Opitar) e candidato a deputado estadual pelo PP, certa vez disse: “Valorizamos a vida natural. Acreditamos que todo o ser humano que come, bebe e tem vida, se sustenta do que nasce na terra. Nós começamos a morar em um local totalmente degradado, hoje já estamos no meio da floresta. Reconstruímos esse local e estamos ajudando o país e o mundo a se desenvolverem”.

Talvez, falte sensibilidade ao novo governador, que se nega a ouvir os próprios colegas de partido. Quem sabe assim, ouvindo os índios antes, Gladson tenha autonomia para falar do que eles realmente querem para suas terras na próxima entrevista.

A base de uma boa gestão é o conhecimento e o respeito com o “diferente” é preceito da democracia. Infelizmente, o preconceito está no cerne da cultura do patrão. Entretanto, o Acre já mostrou para o mundo que aprendeu a viver sem patrões.


 

 

*Arison Jardim é jornalista socioambiental