EM HONRA DO PAI

Um juiz, um defensor e um promotor. Três homens. Uma mesma lição: a importância da figura paterna na vida dos filhos;  TEXTO: Dulcinéia Azevedo FOTOS: Valcemir Mendes O JUIZ Início da década de setenta. Uma pequena multidão aguarda ansiosa na simplória rodoviária de Guiratinga, interior do Mato Grosso. Tanta euforia tem explicação: entre os passageiros … Leia mais

Álcool Verde: da promessa do agronegócio sustentável ao envelhecimento do canavial

Jairo Carioca – Reportagem Especial Caderno de Agronegócios Quem passa hoje pela BR 317 – a rodovia Transoceânica – e ver o canavial envelhecendo às suas margens, talvez não acredite que no auge da produção de cana-de-açucar no Acre, aquela região gerou mais de 400 empregos somente no campo. O plantio de cana de açúcar … Leia mais

JOSÉ MEIRELLES – O homem branco do mato

Texto: DULCINÉIA AZEVEDO Fotos: VALCEMIR MENDES Fui ao encontro de José Carlos dos Reis Meirelles Junior, por volta das 9h da manhã da segunda quinta-feira (9) do mês de julho, depois de uma prévia conversa por telefone sobre a entrevista. O primeiro contato havia sido feito no dia anterior, quando o abordei de supetão durante … Leia mais

“Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo” – Zezinho Melo, o gogó de ouro da locução esportiva

Foi na rua da Goiaba, nº 83, em Brasiléia, que um garotinho franzino de 07 anos de idade sonhou pela primeira vez em ser um narrador de futebol.  Do quintal de casa, brincado com os colegas, o garoto Zezinho ficava fascinado quando ouvia a voz de um certo Fiori Gigliotti iniciando a narração de uma … Leia mais

MILTON LUCENA – O soldado da borracha que impulsionou o comércio acreano

Texto: DULCINÉIA AZEVEDO Fotos: Valcemir Mendes Ele chegou às cabeceiras do Rio Iaco, em Sena Madureira, junto com os pais e outros cinco irmãos, em 1942, início da Grande Guerra, como foi apelidada a Segunda Guerra Mundial pelos nordestinos. A família, procedente da cidade de Quixadá, no Ceará, não estava só. Ao menos 50 mil … Leia mais

IOLANDA: Os trezentos dias que fizeram história

Ela completou 79 anos no úlrtimo sábado (20), e apesar das muitas lutas que coleciona ao longo de quase oito décadas, mantém a elegância de outrora, quando literalmente sacudiu o país ao se tornar a primeira mulher a governar um estado brasileiro. O dia histórico: 14 de maio de 1986. Trajando um comportado e elegante … Leia mais

DARLENE CARDOSO: a história da Jovem de 20 anos que resolveu dar continuidade ao legado de Jorge Cardoso no Rádio

No mundo em que vivemos é cada vez mais difícil presenciarmos filhos que façam questão de dar valor a história de seus pais. O personagem desta semana do caderno Gente, Economia e Negócios é um exemplo disso. Darlene Cardoso, uma jovem de 20 anos, viu no radio a forma de dar continuidade ao legado de … Leia mais

Estudo aponta que ferrovia ligando Brasil ao Peru é inviável

A tão sonhada e propagandeada ligação do Oceano Atlântico com o Pacífico, através da Ferrovia Bioceânica, que colocaria o Acre, definitivamente no caminho do desenvolvimento, como corredor de exportação, pode ter ido por terra. Uma análise divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo revela que a ferrovia, que ligaria teria inicio na China e … Leia mais

MENINO DO BEM! – conheça a história do Guarda Mirim que virou Juiz

Clovis
Ele sonhava em seguir carreira militar. E lutou com todas as suas forças para isso. Todavia, quis o destino que exercitasse seus múltiplos talentos antes de descobrir sua verdadeira vocação. Foi engraxate,guarda mirim, jornalista, radialista, policial civil, empresário, ajudante de palhaço, até se tornar juiz de Direito.

Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira é o atual titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco. Na semana passada, o magistrado recebeu mais uma missão. Foi empossado no cargo de membro titular da Classe de Juiz de Direito do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, compondo a Corte Eleitoral, durante o biênio 2015/2017.

Nasceu em 19 de agosto de 1969 na cidade do Rio de Janeiro – RJ, fruto do romance entre a acreana Terezinha e o amazonense Luiz Gonzaga. A mãe deixou a terra natal rumo a cidade maravilhosa na condição de empregada doméstica da família do soldado do exército Gonzaga. Não demorou muito para os dois se apaixonarem e gerarem o obstinado Cloves, que só veio a descobrir que era carioca aos seis anos de idade, quando encontrou por acaso sua certidão de nascimento.

– Até então eu achava que era acreano de Rio Branco, porque foi aqui que eu cresci, na Seis de agosto. A partir dali fiquei sabendo que meus pais se afastaram logo após o meu nascimento e que minha mãe voltou para a sua cidade-, explica.

De volta a capital acreana, Terezinha passa a viver com a mãe de criação, Lioneza Ferreira, que passará a ser a grande referência na vida do menino Cloves.

– Minha avó criou minha mãe e me criou. Ela ficou viúva com 26 anos, cinco filhos. Abdicou de ter uma nova vida conjugal, de ter uma outra pessoa porque só tinha filhas mulheres. Dizia que não queria ter marido para não dá padrasto para as suas meninas -, relata em tom de admiração.

De acordo com o juiz, para sustentar as filhas e o neto, Dona Lioneza ministrava aula de manhã, fazia escola normal no horário da tarde e à noite era professora do Mobral. Os afazeres domésticos eram realizados de madrugada e no intervalo de uma atividade e outra ela preparava as refeições.

– Ela ensinou os filhos a fazer de tudo. Educou para a vida. Aos oito anos eu já lavava as minhas roupas. Depois ela ia lá e dava uma ajeitada. Foi quem me levou na escola, quem me deu amor -, conta carregado de emoção.

clovis_02O ingresso na Guarda Mirim

Incentivado pela avó, desde cedo, Cloves sabia que o estudo era seu grande trunfo. Assim focou sua vida. Roberto Sanches Mubarac, Anita Garibaldi e Neutel Maia, foram algumas das escolas que frequentou na infância, antes de entrar para a Guarda Mirim.

Ac24horas: qual a importância da Guarda Mirim na sua vida?

Dr. Cloves Augusto: ‘’ Demais. Vou dizer uma coisa, ali a gente aprendeu civismo, respeito aos mais velhos, hierarquia e amor pelos símbolos do Brasil. A gente olhava assim, via os militares marchando, tinha vontade de ser militar, policial, ser uma pessoa de bem. Era o meu sonho. Meu pai foi soldado, fez parte da primeira turma da Polícia Militar do Acre, meu tio sargento. Então eu sempre sonhei com isso. Sempre tive a minha história ligada com isso. Quando surgiu a chance de ir para a Guarda Mirim eu fui’’.

Trabalho de engraxate
leva ao 1º emprego 

A guarda mirim oferecia alimento, alojamento, educação moral e cívica. Porém, o lazer do final de semana, era garantido graças ao trabalho de engraxate na Praça da PMAC e no Hotel Chuí, onde atualmente funciona a sede da prefeitura de Rio Branco.

E como engraxate ele conheceu o Senhor Jairo da Copibrasa, que lhe ofereceu seu primeiro emprego. ‘’ Fui engraxar sapato lá na loja que ele estava. Então falei que estudava e que era da Guarda Mirim, foi quando ele perguntou se eu queria trabalhar para ele como office boy. Ele pediu para eu ir fardado. Aceitei e fui’’, recorda.

Além dos trabalhos externos,o menino Cloves também teve a oportunidade de aprender a usar a fotocopiadora. ‘’ Era uma ciência na época. Tinha que usar produtos químicos. Hoje não deixariam fazer isso’’, observa.

E foi durante um atendimento a um cliente que ele se deparou com o edital do concurso para o colégio militar. ‘’ Uma pessoa foi lá tirar a cópia do edital, ai eu tirei uma cópia para mim também. Era o meu sonho. Fiz a inscrição e passei’’, conta.

O ingresso no Colégio Militar 

Mas, infelizmente, somente a aprovação não era suficiente para garantir o ingresso no colégio militar. Além de uma excelente nota, o entusiasmado Cloves necessitava também de dinheiro para os gastos iniciais.Nesta ocasião, uma pessoa foi fundamental para a concretização do sonho, capitão Jarbas, ele apadrinhou o menino sonhador e assegurou que ele seguisse seu destino.

– Eu falei, passei mais não vou, porque não tenho condições, ele, o capitão Jarbas, disse vai sim, e junto com outros oficiais e alguns empresários cuidaram de tudo. A minha família ajudou, mas foi com pouca coisa.  Foi a guarda mirim que me proporcionou. Eu conseguir uma gratuidade para não pagar a mensalidade. Eu tinha 13 anos. Estudei até a oitava série, mas em 1985 houve o fim do período militar. Com as entrada do governo civil reduziram as verbas e eu perdi a gratuidade. A carreira militar morreu ali, mas o que eu tinha adquirido em conhecimento, primeiro grau muito forte, foi uma base para deslanchar para outras carreiras’’, assegura o magistrado.

Policial civil antes de completar 18 anos 

Na expectativa de ganhar dinheiro e retomar o colégio militar, aos 16 anos, Cloves troca Manaus, no Amazonas, por Porto Velho, em Rondônia. Sem dinheiro, inicialmente, busca abrigo na casa de amigos e, depois, começa a trabalhar em lanchonetes e hotéis para pagar o aluguel de quartos em casas de famílias.

E mesmo com todas as dificuldades, ele conclui o segundo grau e antes mesmo de completar 18 anos consegue aprovação no concurso da Polícia Civil do Estado de Rondônia, em 1987. ‘’ Passei no começo do ano e tive que esperar até agosto, quando completei 18 anos, para poder assumir’’, conta orgulhoso.

E assim segue, o nosso bom menino, estudando e trabalhando.

Clovis_04Jornalista por acaso

Na Polícia Civil é lotado no Departamento de Informações, o que corresponde ao setor de inteligência. Sua função: fazer acompanhamento dos movimentos sociais e partidos políticos e produzir relatórios endereçados ao secretário da pasta.

Para obter as informações necessárias sem despertar muita atenção, ele decide ser jornalista, então procura o jornal local o Guaporé e pede uma oportunidade para aprender o ofício da escrita.

– Conheci um jornalista chamado Alex Fernandes. Ele foi com a minha cara. Eu queria aprender a escrever para jornal, então ele me deu um tema para escrever, fez as correções e disse, olha esse texto não está jornalístico, mas pode ser transformado e me deu as dicas-, informa.

No ano de 1989, o Brasil vive a euforia das Diretas Já, eleição presidencial. Na qualidade de policial, o até então aprendiz de jornalista, conseguia acompanhar os candidatos e, àsvezes, até trabalhava na estrutura de segurança dos mesmos durante as visitas ao estado rondoniense.

– Na condição de policial conseguia boas fotos, cobertura com roteiro e tudo. Ai, o dono de jornal me fez uma proposta para que eu ficasse de vez no jornal, ai fui contratado como repórter provisionado e aquilo que era bico se transformou numa profissão, – revela.

Ac24horas: como o senhor fazia para manter as duas funções?

Dr. Cloves: ‘’ Eu tentava unir as duas coisas, como policial eu conseguia as informações que o repórter não tinha acesso e, as vezes, como jornalista conseguia uma informação que policial não conseguiria, e fui me transformando mais jornalista do que policial, fui gostando e virei editor de polícia’’.

O nascimento de J. Cabral

A cobertura do noticiário policial faz tanto sucesso que logo chega um convite para participação em um programa de rádio. Uma das primeiras exigências é a definição de um nome artístico e assim Cloves Augusto Ferreira Cabral vira simplesmente J. Cabral.

– Um dia eu recebo um convite de um jornalista e radialista que havia sido eleito deputado estadual e me convidou para falar no rádio. Perguntou qual era meu nome completo, quando falei, ele disse não, muito grande, vai ser J. Cabral, justificando que toda radialista tem que ter jota no nome – , justifica.

Para manter a participação, o estreante tem que usar e abusar da criatividade, respeitando o ouvinte, é claro. Então num dia de poucas notícias interessantes, mas de muitas ocorrências de furto, ele cria o clichê jornalístico‘’ caminhão do ladrão’’, uma paródia do caminhão do Faustão, muito falado na época.

Um dia eu me deparei com um monte de ocorrências de furto. Uma televisão aqui, uma bomba ali, um liquificador acolá. Então, surgiu assim a história do caminhão do ladrão, fui levando no bom humor e deu certo -, comenta.

Então, todas as vezes que o J. Cabrão era acionada para uma participação, com as suas notícias da área policial, a expressão era lembrada de uma forma bem humorada:

– J. Cabral, e ai, me diga por onde o caminhão do ladrão passou hoje? -, tascava o apresentador.

O bom humor de J. Cabral lhe rendeu um novo convite, dessa vez do amigo Áureo Ribeiro, que o incentivou a montar um programa próprio de variedades. Tinha polícia, esporte e até uma dupla de humoristas, que na verdade eram dois palhaços.

Ac24horas: Além de engraxate, guarda mirim, policial, jornalista e radialista, o senhor comentou que foi também assistente de palhaço, como é que foi isso?

Dr. Cloves: ‘’ Tinha uma dupla de humoristas, dois palhaços (Moisés e Edilson). Fui com eles e disse: olha eu vou fazer a parte empresarial para vocês, vou vender o show de vocês. Eles me pagavam um percentual de 20 por cento. Um dia eles quiseram diminuir meu percentual, alegando que precisavam contratar muitas pessoas. Então eu sugeri que eles aumentassem o meu percentual, que eu seria essas muitas pessoas. Se precisasse ser a escada eu seria a escada. Assim entrei para o mundo das artes. Virei ajudante de palhaço. Foram dois anos me dividindo entre a faculdade, a rádio, a políciae as artes. Fiz muitos shows. Estive em Rio Branco. O nome do show era Milionários da Alegria e Sua Equipe. Ai meu filho me perguntou pai o senhor era quem. Eu respondi, Milionários da Alegria era a dupla de palhaços e, eu, a sua equipe.’’, diz bem humorado. (risos)

Ac24horas: Nesse período então, o senhor já cursava a faculdade de Direito em RO?

Dr. Cloves: Sim. Fui aprovado no vestibular em 1989, mas não tinha pretensão alguma. Estava procurando o que eu queria ser na vida. Então, no segundo ano de faculdade, depois das muitas experiências profissionais que experimentei, fui aprovado no concurso da Justiça Federal. O cargo era de atendente judiciário, nível médio. Esperei um ano para ser chamado. Era emprego federal, eu tinha que está lá no serviço. O curso ficou num nível de exigência maior, tive que me dedicar mais, então fui obrigado a abrir mão dessas carreiras ai de radialista, de jornalista. Ainda escrevi um tempo para uma revista chamada Contexto, da Cristina Arcanjo, mas eram materiais pontuais, já não mais como contratado’’.

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Constituindo família 

O magistrado é casado com a defensora pública Célia da Cruz Cabral Ferreira. Da união resultaram quatro filhos: Renato, Cristina, Daniel e Gabriel. ‘’ Conheci a Célia na Justiça Federal. Entramos juntos. Entretanto, como ela já tinha experiência na vida jurídica, foi galgando cargos ali e um dia fui trabalhar subordinado a ela e essa subordinação continua até hoje’’, declara, expondo seu lado brincalhão.

Em 1994, Cloves se gradua em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Rondônia e consegue aprovação no concurso para fiscal do trabalho. ‘’ Fiz o curso para fiscal do trabalho e estava esperando ser chamado, mas achava que não seria chamado, eram apenas 20 vagas e eu estava em trigésimo nono, ai vim para o Acre prestar concurso para juiz e fui aprovado tinha apenas um ano e meio de formado. Fiz mais um ano de escola da Magistratura e fui empossado em 1996’’, relata.

Ac24horas: O senhor pretendia voltar para o Acre ou foi mais uma ação do acaso?

Dr. Cloves: Eu sempre fui muito grato onde eu estou. Então o tempo que eu estive em Rondônia, ali nasceram dois dos meus filhos, eu tinha construído uma vida acadêmica, terminei o segundo grau, passei na universidade, vários empregos que foram surgindo, várias atividades profissionais, então eu me considerava rondoniense, eu achava que a minha história estava em Rondônia. Eu achava que não voltava mais para o Acre, mas Deus vai operando, abrindo portas, ligando uma coisa com a outra, findou que a aprovação no concurso de juiz, no qual eu não tinha qualquer expectativa de aprovação marcou a minha volta para o Acre. Mas, hoje todos os meus filhos amam o Acre porque eu transmitir para eles esse amor, porque a minha história está aqui’’.

Cruzeiro do Sul e o reencontro com o rádio 

Após a posse, doutor Cloves Augusto foi deslocado para a comarca de Cruzeiro do Sul, aonde se reencontrou com o rádio, mas desta feita como juiz de Direito. O nome do programa era Vagalume, sugerido pelo defensor público Alberto, sob a justificativa que era ‘’ uma pequena luz na escuridão jurídica das pessoas’’.

O programa surgiu de uma conversa durante o horário de almoço entre eu, o Dr. Alberto, que era defensor público, o Dr. Áureo, a Dra. Alessandra e o Dr. Luiz Vitório Camolez. Conseguimos um horário na rádio Verdes Florestas. Era bom demais, uma hora diária e dava repercussão – , assegura.

Numa das participações ao vivo, o juiz recorda do caso de um senhor que o Dr. Camolez havia alertado para não registrar o neto como filho porque dava problema. ‘’ Então, à tarde a gente escutou uma mensagem, era uma mulher avisando, atenção fulano de tal lá em Eirunepé, não registre o menino porque o juiz falou que é crime!’’.

O magistrado admite que se identificou muito com o estilo de vida da população do Juruá. A simplicidade das pessoas, povo acolhedor.

– Eu e a Célia fizemos muitos amigos na zona rural, participamos de muitas edições do projeto cidadão e acompanhamos de perto o drama do isolamento. A época, me lembro, chegávamos a comprar um quilo de tomate a nove reais – , registra.Clovis_03

Em Rio Branco, a decepção do fim da guarda mirim 

De Cruzeiro do Sul, o magistrado é removido para a comarca de Rio Branco, com a atuação na Vara de Auditoria Militar. A alegria do reencontro com a PM foi interrompida pela decepção de testemunhar a extinção da amada Guarda Mirim por problemas de interpretação de direitos trabalhistas.

– Na época cheguei a conversar com os responsáveis pela Delegacia Regional do Trabalho, tentei fazercom que não acabasse. A DRT queria que os guardas mirins que atuavam nos órgãos públicos como estagiários recebessem a previdência e o seguro. A gente até entende essa preocupação. Ocorre, que embora eles não tivessem isso, mas tinham cursos, vale transporte e uma ajuda de custo de meio salário mínimo -, argumenta.

No sentir do magistrado, ‘’ quando o adolescente tem dinheiro ele consegue comprar o que ele quer, então, com certeza, ele não tem vontade de consumir sem aquela condição de chegar lá. Ele não precisa ir para o crime. Ele vai está ocupado e crescendo’’.

Ac24horas: No momento, as atenções se voltam para a discussão em torno da redução da maioridade penal. Qual a sua posição acerca do assunto?

Dr. Cloves: ‘’ Eu acho que a grande coisa que deveria ser feita para tirar o Brasil dessa criminalidade, da violência, seria o ensino profissionalizante e permitir que o adolescente trabalhasse e estudasse. No lugar de reduzir a maioridade penal eu defendo a redução da idade para o trabalho. Acredito que a gente tiraria muito mais o adolescente do crime se ele pudesse trabalhar licitamente. Porque se ele não pode trabalhar licitamente, o que acontece? Ele vai ser recrutado pelo tráfico. Ele é recrutado pela criminalidade’’.

Ac24horas: a sua posição é fruto da sua experiência pessoal, haja vista que foi uma criança e um adolescente que sempre trabalhou e estudou?

Dr. Cloves‘’ Eu digo, fui um adolescente que não tive uma família abastada. Por muito tempo morei só, posso dizer que fiquei até em situação de vulnerabilidade. Por que não fui para o crime? Porque eu sempre trabalhei, eu sempre tive emprego, sempre apareceram pessoas que me ajudaram. Diziam vamos trabalhar e me pagavam por isso. Então eu nunca pensei assim: vou praticar um crime para comprar alguma coisa’.

No próximo mês de junho, o magistrado completa 19 anos de carreira como juiz e assegura que neste período nunca julgou alguém que fez curso profissionalizantes no SENAI. ‘’ Nunca sentou alguém na minha presença que fez curso no Senai, porque ele sai de lá com uma profissão. Um mecânico, um técnico industrial, profissionais que ganham muitíssimo bem, então eu acho que é por ai’’.

Clovis_06Delação premiada no Caso Palito, decisão inédita no país 

O juiz Cloves Augusto também tem passagem registrada pela Vara de Execuções Penais de Rio Branco. E foi de sua responsabilidade a decisão que concedeu delação premiada ao então sentenciado por tráfico Palito, na ocasião considerado testemunha chave para desmontar o esquadrão da morte, mas que não era réu no processo, o que,em tese, constituía impedimento legal para receber os benefícios conferidos a um delator.

– Essa foi a grande controvérsia. A lei dizia que deveria aplicar aos réus, então como é que eu iria aplicar na pessoa condenada por outros crimes. Fui muito criticado em virtude do meu posicionamento -, relata.

A inspiração para a sentença que iria fazer história no Brasil, por ser a primeira vez que um condenado que não fazia parte do processo, seria beneficiado com o instituto da delação premiada (uma espécie de prêmio ao réu colaborador) veio de uma conversa com o juiz federal José Carlos do Vale Madeira, ex-chefe de Cloves em Rondônia, professor e autor renomado.

Ao consultá-lo, o magistrado acreano falou da dificuldade que estava sentindo para decidir, em virtude da ausência de jurisprudência acerca do tema, e recebeu a seguinte lição:

– Onde não há jurisprudência é a oportunidade que você tem de fazer jurisprudência.

Apesar de significativas, as palavras ainda não foram suficientes, o juiz se questionava:

– Mas é um assaltante, um traficante e eu vou reduzir a pena?

Então recebeu mais uma lição do juiz José Carlos Madeira, que na ocasião foi enfático:

– A delação premiadanão é para padres, pastores, freiras, professores, ela é para criminosos, é um instrumento de combate ao crime organizado, só vai ser beneficiada a pessoa que está inserida no crime’’.

De acordo com o juiz, como exemplos, Madeira citou os casos da Itália e da Espanha, onde a delação estava sendo utilizada para desmontar as organizações criminosas.

– O doutor Madeira foi a pessoa que me deu uma outra visão do caso Palito. Então apliquei. A lei foi inclusive alterada e a prova se consolidou contra o esquadrão.

Caso Fabrício, atuação decisiva para julgamento dos acusados 

O que o ex-guarda mirim que virou juiz não imaginava é que caberia a ele, na qualidadede titular da 4ª Vara Criminal de Rio Branco, julgar um dos crimes mais complexos do judiciário acreano, o caso Fabrício. Um adolescente sonhador como ele e que também focava nos estudos na esperança de um futuro melhor.

Fabricio Augusto Souza da Costa tinha acabado de completar 16 anos quando desapareceu misteriosamente em 16 de março do ano de 2010. O caso logo ganhou grande repercussão na mídia em virtude de uma peculiaridade: o corpo nunca foi encontrado.

O adolescente cursava o 1º ano do ensino médio, no período da tarde, na escola estadual José Rodrigues Leite, no centro de Rio Branco. Quando terminava o turno, atravessava a Rua Quintino Bocaiúva e iniciava o curso de informática na escola portocom.informatica. Ás 20h seguia para o Terminal Urbano e entre 20h45min, estourando 21h estava em casa.

Mas naquele fatídico 16 de março de 2010, o adolescente não retornou para casa. Ao menos sete versões foram investigadas pela polícia, desde sequestro, ritual de magia negra, vingança, dentre outras.

– Houve uma primeira fase da investigação, coordenada pela Polícia Civil, seis pessoas foram presas. Uma era confessa e essa pessoa entregava as outras. A segunda fase começa com a entrada da Polícia Federal. A PF partiu do mesmo ponto da civil e foi seguindo as mesmas pistas até encontrar uma contradição para mudar o rumo das investigações -, explica o magistrado.

A contradição encontrada pela PF estava no depoimento prestado por um menor, que afirmava ter visto Fabrício sendo colocado dentro de um carro e sendo levado. A Polícia Federal descobriu que ele estava mentindo e se desfez a versão de sequestro.

– Esse menor,ele foi muito frio no depoimento. Ele manteve o mesmo depoimento na policia, MPE, em juízo, e foi um detalhe, a data de uma partida de futebol que demonstrou que aquela versão não batia -, revela.

O crime tinha sido numa terça-feira, e o menor havia informado à polícia que voltava do futebol e tinha visto o Fabrício. Ao checar a informação, a PF descobriu que naquele dia o jogo tinha sido dos adultos, então não tinha como o menor ter participado.

clovis_07– Depois ele disse que havia falado para a avó e ela contou para a família do Fabrício, então ele decidiu sustentar a versão. Chegamos a uma conclusão de roubo seguido de morte. Fabrício reagiu e foi esfaqueado. Dos seis adultos que foram denunciados, dois foram condenados, dois irmãos, eles foram apontados numa investigação da Polícia Federal -, conta.

A soma da pena dos dois acusados totaliza 58 anos de prisão. Eles foram condenados pelos crimes de latrocínio, ocultação de cadáver e corrupção de menor, haja vista a participação de duas menores de idade, que foram responsabilidade nos termos da lei pelo juizado da Infância e Adolescência. Atualmente, o processo está em fase de recurso.

Ac24horas: Mas como se explica o fato do corpo de Fabrício nunca ter sido encontrado, isso também foi esclarecido pela PF?

Dr. Cloves: ‘’ Do porto da Base e Gameleira até a ponte Nova, como é chamada a ponte coronel Sebastião Dantas, ali tem uma coisa, o pessoal até chama buraco da cobra, as pessoas que se afogaram ali os corpos nunca foram encontrados. Então, se chegou à conclusão, que tem um fenômeno, uma característica naquela parte do rio que retém os corpos. É tanto que um ano após o desaparecimento do Fabrício, foi registrado o caso de um menino que se jogou da ponte, provavelmente se afogou e o corpo não foi encontrado. E mais recente aconteceu um outro afogamento e o corpo não foi encontrado. Dizem as pessoas que moram ali que é muita lama e o corpo fica e não consegue boiar. Então ficou uma coisa mais ou menos próxima da realidade, já que a versão dada pelo réu confesso é que ele furou o Fabrício e jogou o corpo ali naquela região’’

AC24horas: O senhor chegou a ter algum contato com a família no período da instrução criminal, sabe qual foi a reação dos familiares quando saiu a sentença?

Dr. Cloves: ‘’ Depois da sentença um dos familiares me procurou e disse que a família sentia que tinha havido justiça, porém, eles entendiam que dos quatro que tinham sido soltos, dois tinham tido participação, mas que eles estavam com o sentimento de justiça. Foi para mim, ao longo desses 19 anos de magistratura, o caso mais complicado, o mais emblemático, o que marcou’’.

Ac24horas: Ao longo desses 19 anos se magistratura o senhor já recebeu ou tomou conhecimento e alguma ameaça de morte direcionada a sua pessoa?

Dr. Cloves: ‘’ Eu não recebi, não ligaram para mim, eu soube que havia uma investigação em curso porque a pessoa que eu teria decretado a prisão dela, do filho e da esposa, teria um plano de morte direcionado a minha pessoa. Mas no final da investigação ficou apenas na cogitação e o caso foi arquivado. Nunca recebi diretamente nenhuma ameaça, nem por carta’’.

Ac24horas: o senhor é juiz de direito, julga muitos casos polêmicos, já condenou muitas pessoas, o senhor se sente à vontade para andar pela sua cidade?

Dr. Cloves: ‘’ A gente tem cuidado com relação a família, mas procuro ter uma vida normal, nunca deixei de ir a qualquer lugar por causa disso. É tanto que faço parte de um grupo de evangelização da igreja em que congrego e já andei praticamente em todos os bairros de Rio Branco evangelizando e graças a Deus nunca tive qualquer problema’’, assegura.

Ac24horas: A sua trajetória demonstra que tudo foi muito prematuro na sua vida, muito intenso, sem pausa, nesse passo, o senhor caminha para ser desembargador, isso é algo que faz parte dos seus planos?

Dr. Cloves: ‘’ Ainda tenho nove anos até me aposentar. Não faço do desembargo uma meta, mas se Deus permitir desempenharei com honra, mas se chegar a idade de me aposentar e não acontecer, vou me aposentar do mesmo jeito. Tenho uma sede muito grande de viver, aprender. Como quase tudo na minha vida, me tornei professor por acaso. Ai me realizei e estou plenamente realizado como professor’’.

Dr. Cloves 3_closePrograma Audiência Pública

Além de titular da 4ª Vara Criminal de Rio Branco, o juiz Cloves Augusto também é professor do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental (FAAO), da Escola Superior da Magistratura Acreana e do Centro Integrado de Formação Policial – CIEPS, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Acre, De tanta afazeres ele ainda  arruma tempo para tirar dúvidas da população durante o seu programa Audiência Pública, veiculado todas as  segundas-feiras, pontualmente de 8h00 a 8h30 da manhã, na Rádio Difusora Acreana,’’ Quando a Nilda Dantas está boazinha, a gente passa um pouco do horário,’’ brinca o doutor locutor.

Durante o programa, o magistrado ler cartas dos ouvintes e responde às perguntas formuladas ao vivo, por intermédio da participação telefônica. O juiz locutor também recebe convidados e conta com a participação de um jornalista do sistema público de comunicação, que faz participação trazendo notícias do meio jurídico.

Ac24horas: das suas paixões, o senhor considera o rádio a mais forte?

Dr. Cloves: ‘’ Tem o rádio, a Seis de Agosto, o futebol. Sou flamenguista e Juventino aqui, e também vou ao estádio. Tradição que vem de longe. Já furei no estádio José de Melo, pulei muro. Lembro de um episódio que eu furei a mão ao pular o muro. Fui assisti o jogo assim mesmo. Deu uns quinze minutos de jogo já estava com febre, e tive que ir embora’’.(risos).

Ac24horas: o senhor fala com muito entusiasmo da Seis de Agosto, a sua ligação com o bairro é realmente muito forte?

Dr. Cloves: ‘’ Chamo a Seis de Agosto de Paraisópolis. Tenho uma visão que as pessoas não têm. Eu digo pros meus amigos, na Seis não tem alagação, tem período de esportes aquáticos, canoagem, natação. Mas dessa vez (se refere a última enchente) eu vir que magoou as pessoas. Doou uma espécie de tsunami. A Seis é o único bairro que comemora o aniversário, é tradição, os moradores levam muito a sério as duas raízes. Na Seis tem escola de samba, rem quadrilha. Quase todo dia eu corro na Seis. Pelo menos uma vez por semana vou lá, visito os amigos. Tem muitas famílias que têm condições de sair de lá, morar em outro lugar, mas não quer abandonar suas raízes, essa coisa que não acaba nunca, isso é bonito’’.

Ac24horas: O senhor se considera um homem realizado ou ainda tem algo que pretende realizar?

Dr. Cloves: ‘’ Pretendo fazer medicina. Ainda vou fazer, se Deus quiser, assim que aposentar. Vou fazer porque era o sonho da minha avó Lioneza. Ela dizia que eu tinha o nome de doutor, é tanto que quando eu disse que tinha passado no vestibular, ela disse, que bom, vai ser médico. Eu disse, não, passei para direito. Ela disse, tudo bem, um dia você vai ser. Minha avó faleceu aos 81 anos de idade. Ela profetizou muita coisa boa na minha vida, não viveu para me ver médico, mas se Deus permitir, por ela, eu vou ser’’.

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Ac24horas: E a política, o senhor nunca quis participar, não tem nenhuma pretensão?

Dr. Cloves: ‘’ Não tenho vontade nem vocação para a política. Queria poder falar e o rádio me permite isso. Na política você tem que tomar partido, ai você perde uma: dar aula, estudar e falar’’.

Ac24 hora: Uma mensagem sua para os jovens acreanos, em decorrência de tudo que o senhor viveu, tem autoridade para isso.

Dr. Cloves: ‘’ Digo que trabalhe, por mais que possa parecer totalmente incorreto eu acredito muito na força do trabalho. Acredito que é o trabalho que dignifica o homem, que faz com que a pessoa seja estimulada a estudar para crescer, e que acima de tudo acredite em Deus. Se a pessoa estiver disposta a ouvir a voz de Deus nas mínimas coisas ela consegue alcançar muitas vitórias e livramentos. Sempre eu digo, o acaso foi me levando, mas ai eu questiono, será que Deus fez tudo isso, e digo, fez. Deus nunca me desamparou. Foi abrindo portas, ligando as coisas, parece um filme. Quando eu lembro de onde eu estava, das situações que passei e onde cheguei, eu vejo a mão de Deus, se a gente acredita, ele vai falar, as vezes ele usa até ume estranho para isso, até mesmo um preso, como já aconteceu comigo uma vez’’.

AC24horas: O senhor pode narrar esse episódio?

Dr. Cloves: ‘’ Foi durante uma audiência. Eu estava muito chateado porque estava concedendo a liberdade de um preso por um erro. Ele estava saindo um ano antes, e isso é muito ruim, porque outros presos na mesma situação iriam sair com dois anos e ele estava saindo com apenas um. Então falei isso está errado, não devia te soltar, e ele justificou que era crente. Eu disse, muito fácil virar crente agora. E ele insistiu, doutor sei que errei, trafiquei, mas quando eu estava lá na prisão eu me arrependi e pedi a Deus para fazer um milagre na minha vida. Ele me atendeu doutor, o milagre foi esse erro. Então fiquei calado e não disse mais nada. Outra situação foi durante uma audiência de divórcio, não costumava fazer conciliação, acreditava se o casal chegava ao ponto de pedir o divórcio era porque não tinha mais jeito, estava acabado, mas ai, do nada, eu resolvi falar para o homem para não se divorciar, dá uma chance de reconciliação com a sua esposa, foi quando a mulher falou, doutor eu orei uma semana para o senhor dizer essas palavras. Então digo ao jovem: escute a voz de Deus, trabalhem estude, se a pessoa conseguir ouvir a voz de Deus tudo dá certo’’, finaliza.Dr. Cloves 15

Agradecimento de ac24horas

A entrevista com o juiz Cloves Augusto foi gravada no seu gabinete no Fórum Criminal depois de uma manhã de audiências. Ele abriu mão de seu descanso após o almoço para conversar com a nossa equipe e respondeu a todas as perguntas formuladas. A ele, nosso respeito e agradecimento pela oportunidade de tornar pública uma história de lutas e conquistas do guarda mirim que só queria ser militar, mas foi além e se tornou juiz de Direito.

 

 

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ENTREVISTA – DOUTOR MEDEIROS

2222Dr. MEDEIROS                                

Doutor Medeiros, um médico iluminado

Texto: Dulcinéia Azevedo
Fotos: VALCEMIR MENDES
ARTES – Roberto Vaz

O ano é 1945. Estado do Paraná. Um fenômeno até então estranho, porém real, vai mudar para sempre o rumo da vida do casal de mineiros Aristóteles e Rosa e de seus treze filhos. As crianças estão dormindo. A mulher e o marido também se preparam para o repouso noturno, quando Rosa é acometida por uma crise súbita de asma.

A doença respiratória aguda nunca havia se manifestado antes, mas Rosa conhece bem, em decorrência das constantes crises da mãe dela, Dona Liceria Cardeal da Costa, que permanecia vivendo em Minas Gerais e não se conformava com a distância da filha, do genro e dos netos.

O casal fixou residência numa pequena comunidade rural. Vive cercado pelo mato. Um médico naquelas circunstâncias era praticamente impossível. Rosa piora com o passar dos segundos. Pele arroxeada, sem oxigênio, as palavras não saem mais. Aristóteles decide recorrer a benzedeira da localidade, que prontamente vai atender ao chamado desesperado.

O que o casal e nem a própria benzedeira sabiam é que esta era médium passista. Em virtude disso, ao impor as mãos em oração sobre a cabeça de Rosa, de forma inconsciente, praticou o Passe Espírita e recebeu o espírito que estava na mulher, passando esta, a sofrer do ataque de asma.

Aristóteles assiste a tudo procurando uma resposta para o que estava acontecendo. A partir daquele momento, se inicia uma conversação e o espírito se apresenta como a mãe de Rosa, Dona Liceria, de 70 anos, que havia ficado em Minas Gerais.

– Rosa, sou eu, Liceria, a sua mãe – disse o espírito para o espanto do casal. Ao tempo que Rosa indagou:

– A senhora morreu?.

E a mesma retrucou:

– Não, eu vim te ajudar a cuidar dessas crianças.

Por um breve momento houve uma discussão.

Rosa disse a mãe que ela não podia ficar, que ela precisava de cuidados especiais e que o melhor é que fosse morar com o filho caçula, que era fazendeiro, tinha boa condição, recém casado, não tinha filhos e podia lhe oferecer os cuidados necessários.

A contragosto, o espírito se despede e vai embora. Não existe telefone na localidade, nem telégrafo. A única forma de obter notícias é através de cartas, trazidas pelo trem de quatro em quatro dias.

E passada uma semana as suspeitas se confirmam. Chega uma correspondência de um dos irmãos de Rosa, informando a morte da mãe, durante uma crise de asma, no mesmo dia e hora que o estranho fenômeno aconteceu na residência do casal.

E mais: o irmão, a que Rosa indicou para a mãe ir morar, tinha apresentado a mesma crise, duas horas após a morte da matriarca, mas recebeu atendimento e passava bem.

A constatação atiça a curiosidade de Aristóteles. É trabalhador rural, todavia, letrado. Com o colegial completo desenvolveu o hábito da leitura. Tem bom entendimento e gosta de se informar.

Confuso com tudo que havia acontecido, vai a cidade em busca de explicações e conhece um delegado que entende um pouco sobre o espiritismo e lhe entrega o endereço de uma editora no Rio de Janeiro, que fornecia livros sobre o tema.

Rapidamente faz um resumo do ocorrido e solicita informações que ajudem a sua família a entender a situação. Não demora e recebeu os cinco livros básicos da doutrina espírita e, a noite, após o jantar, reúne a mulher e os filhos em volta da mesa e inicia a leitura dos exemplares.

Começava ali a missão de José Furtado de Medeiros [conhecido carinhosamente pelos acreanos como Doutor Medeiros], nascido em Monte Santo, na divisa de Minas Gerais com o Paraná, em 03 de abril de 1938. Quando os pais decidiram deixar Minas, José tinha apenas dois anos de idade, e sete quando a avó materna desencarnou e foi em espírito ter com a filha no Paraná.

– Minha avó não sabia que havia morrido. A morte é um sono. Uma troca de roupa. Então a partir das leituras de meu pai passamos a compreender isso. Ele descobriu que há uns 10 quilômetros de onde a gente morava havia um senhor português que fazia trabalho espírita. Ele tinha muitos livros. Ai meu pai colocou eu e meus irmãos para estudar, assim nós viramos espíritas e por causa do espiritismo virei médico -, conta.

99999Dr. MEDEIROS 18

O chamado para a Medicina

Apesar de ter conhecido o caminho da luz aos sete anos, José Medeiros demorou alguns anos para descobrir qual era a sua real missão nessa vida. A doutrina espírita lhe ensinara a tratar a todos como irmãos e que uns deviam cuidar dos outros, como prega o evangelho.

Até os quinze anos, auxiliou os pais na agricultura e fazia planos para cursar a faculdade de Engenharia.

– No Paraná tinham muitos japoneses. E eles são mais esforçados do que a gente, se dedicam a aprender, então eu tinha um amigo japonês muito bom em matemática e física, eu também era, estudávamos juntos e planejávamos prestar vestibular para Engenharia -, relata.

O que ele não sabia é que uma visita a um hospital público do Paraná lhe conduziria por caminhos que até então ele não imaginava.

– Eu nunca tinha ido num hospital. Então fiquei muito chocado com o que vi. Notei uma diferença muito grande no tratamento entre o pobre, o remediado e o rico, então decidi fazer alguma coisa, aquela cena de abandono não sai da minha cabeça até hoje -, confidencia.

Na sua ida ao hospital, Medeiros visitou uma enfermaria mista e se deparou com crianças, adultos e idosos em situação crítica de saúde, precisando não apenas de tratamento clínico, mas acima de tudo de doses diárias de amor, respeito, carinho, a cura física e também a cura da alma.

– Eu fiquei muito chocado porque eu também vinha de uma família numerosa e pobre, então decidi mudar meu rumo. Chamei o meu colega e disse que ao invés de Matemática ia estudar Biologia. Então, como eu era melhor nas exatas que nas humanas, eu demorei três anos para vencer a Biologia e passar no vestibular de Medicina, e não me arrependo -, garante.

Uma visão diferenciada do Acre

José Furtado de Medeiros deixa então o Paraná, onde vivia desde os dois anos de idade com a família, e retorna a Minas Gerais para cursar Medicina, em Uberaba. Em 1968 segue para a capital federal, Brasília, onde dá início a residência médica e conhece lá o então secretário de Saúde do Acre, Dr. José Tomas Nabuco de Oliveira Filho- Dr. Nabuco, já falecido.

1_Dr. MEDEIROS 1a– Ele estava precisando de 20 médicos e conseguiu encontrar apenas três. Eu já estava pensando em ir para Manaus, no Amazonas, quando recebi o convite, ai consegui mais dois colegas e viemos -, diz.

Ao contrário de muitos que visavam ganhar dinheiro fácil e rápido, Doutor Medeiros sempre teve um olhar diferenciado pelo Acre e os acreanos.

– Quando o avião deu uma rasante, eu me lembrei do Paraná e falei isso aqui é um lugar de futuro, isso aqui vai para frente e vai ser um lugar ótimo para se viver’ -, descreve como se retornasse no tempo.

Porém, nem todos que viviam aqui tinham o mesmo pensamento. O próprio secretário de saúde à época morava no hotel Chuí, onde hoje é a sede da Prefeitura de Rio Branco, e nunca sequer desarrumou a mala, estava sempre pronto para partir a qualquer momento. Estava no Acre a trabalho.

– Quando cheguei fui morar no hotel Chuí, encontrei o secretário de saúde lá com a mala e perguntei: O senhor não tem casa ou apartamento?

Ele disse não.

– Isso aqui não tem futuro, não vai para frente, vocês não invistam um tostão aqui.

Então falei:

– Não, o senhor está enganado. Na hora que a rodovia chegar isso aqui vai virar um lugar de progresso e vai vim muita gente -, relata.

Medeiros não gastou discurso à toa. Ele sabia que no Paraná, em Minas Gerais e São Paulo as terras eram muito caras e muita gente viria para o Acre atraída pelo baixo custo das terras.

– Eles viriam para cá comprar terra e depois vinham os hospitais, as escolas, o progresso.

Medeiros chegou em Rio Branco em 1969. Era especialista em cirurgia e anestesia, mas chegando aqui, por questão de necessidade e atendendo ao pedido do secretário de saúde, passou a atuar na pediatria.

– Quando cheguei tinha apenas um pediatra, era militar, ficava muito tempo fora, como no curso básico a gente faz seis meses de pediatria, foi uma questão de adaptação. Eu me dei bem com as crianças e fiquei diretor do antigo Hospital Infantil de Rio Branco por 30 anos -, informa.

Mães pobre amamentavam filhos até os 5 anos

No Acre de 1969, Doutor Medeiros se deparou com uma questão intrigante. O povo era pobre, mas as crianças que buscavam atendimento no Hospital Infantil não apresentavam desnutrição. Ao contrário, eram bem nutridas. Não demorou muito para ele descobrir que o segredo estava no leite materno. Por falta de recursos, as mães amamentavam os filhos até os quatro e cinco anos.

As doenças que acometiam as crianças na época eram a malária, por causa do mosquito, muito comum na região; verminose, que ocasionava um pouco de anemia; e pneumonia.

– As crianças que pegavam pneumonia acabavam morrendo desidratadas devido ao calor, e também tinha falta de vacina, mas ai com a chegada do soro da ONU, soro caseiro, e a sua difusão, o quadro começou a mudar -, explica.

Médico vive experiência dramática durante epidemia de meningite

No ano de 1973, uma epidemia de meningite causa pânico na população acreana. Uma média de três a quatro óbitos eram registrados todos os dias. Foi assim durante um período de três meses.

– O hospital ficou lotado de crianças, adultos, idosos, morreu muita gente -, relembra entristecido.

1Dr. MEDEIROS 2abcSegundo Doutor Medeiros, naquela ocasião não existia laboratório para fazer os exames e confirmar os casos, então o governador decidiu trazer uma bióloga de São Paulo só para o trabalho. Como especialista em anestesia, Medeiros foi recrutado para fazer a pulsão lombar e retirar o liquido para a bióloga examinar.

Lembra ele que eram tantos pacientes, que num dos atendimentos, o médico esqueceu de colocar a máscara e o liquido retirado de uma garota de 13 anos, caiu dentro da boca dele.

– Ela estava com meningite fulminante, morreu dentro de duas horas, mas eu tomei drogas preventivas e me livrei da contaminação -, conta aliviado.

Durante a epidemia, Medeiros contou com a parceria do médico Augusto Hidalgo de Lima.

– Eu fazia as pulsões e ele o esquema das drogas para ministrar nos pacientes. Ele passava o dia inteiro no Hospital de Base para dá conta de tanta gente. Hidalgo morreu pobre, não visava riqueza, era estudioso e atualizadíssimo -, afirma.

Nosso personagem registrar os nomes de outros médicos, in memoriam, que deixaram suas cidades para trabalhar no Acre, e que atualmente batizam postos, centros de saúde e até bairros de Rio Branco, como: Barray e Barral, Ari Rodrigues e Laélia Alcântara.

– A Laélia trabalhou comigo, veio do Rio de Janeiro, era pediatra e obstetra, mãe de família, tinha uns 10 a 12 filhos. O Barral era muito brincalhão, não ligava para dinheiro, era da Bahia e pessoa muito bondosa. O Ari estava numa fase decadente quando cheguei, no final da vida começou a beber, pegou cirrose e morreu pouco tempo depois, mas trabalhou muito, dizia que a sua especialidade era a Tudologia, pois atendia criança, adulto, idoso, era o que vinha -, relembra rindo da difícil situação da época.

Anestesiados pela dor

No final da década de 70, já superada à epidemia de meningite, muitos óbitos de crianças continuavam sendo registrados no Estado do Acre. Por conta da falta de trafegabilidade das estradas vicinais, as famílias ficavam isoladas no período invernoso e não tinham como trazer os filhos para tratar de doenças como sarampo e pneumonia.

– Morria muita criança. Povo desinformado achava que os médicos eram culpados, todavia, na maioria dos casos havia pouco o que fazer. Lembro de um caso de uma família de 12 filhos pequenos que pegaram sarampo. Desses sete também tiveram pneumonia. Era época de chuva e não deu para os pais trazerem as crianças para fazerem tratamento -, observa.

Cessada as chuvas, a mãe se deslocou para a cidade trazendo consigo cinco das crianças doentes. O estado era grave. O médico pergunta por que, ela não tinha trazido as crianças antes e que havia pouco a fazer pelo avançado estado da doença. Após examinar todas, disse que das cinco talvez conseguisse salvar três.

E para espanto do Doutor Medeiros, a mãe responde:

  • Não tem problema doutor, lá em casa já morreram cinco.

E infelizmente, como previsto pelo médico, apenas três se salvaram.

– Então eu percebi que as pessoas ficavam anestesiadas pelo sofrimento. A morte era um alívio para muitas famílias e assim morreram muitas crianças -, constata.

15_dr. Medeiros luz1

Creche Espírita Lar da Criança: o sofrimento se fez luz

E foi nesse período que Doutor Medeiros percebeu que morriam muitas crianças vítimas de acidentes domésticos. Afogadas, mordidas por animais, queimadas, eletrocutadas, porque ficavam a maior parte do dia sozinhas, enquanto suas mães trabalhavam.

– Precisava ajudar mais, então me veio a idéia de construir uma creche para abrigar as crianças que as mães precisavam trabalhar fora e não tinham com quem deixar os filhos -, informa.

Com esse propósito é fundada em 1980 a primeira creche da capital acreana, a Creche Espírita Lar da Criança, localizada na Travessa Campo do Rio Branco, nº 400, ao lado da Federação Espirita do Acre.

O terreno foi comprado e doado pelo próprio Doutor Medeiros, que ainda custeou 50% da obra. Os outros 50% foram bancados por um sócio especial, o Manoel Alves de Souza, saudoso Manduca, já falecido, que à época era fazendeiro e dono da Construacre Material de Construção.

– Ele virou espirita por causa de problemas de saúde e ajudou muito a manter o nosso trabalho social. Nos quinze primeiros anos as despesas foram mantidas por ele e eu. Recebemos muitas ofertas de ajuda de políticos, mas como a creche ainda não estava com a documentação em dia, perdemos muito dinheiro por causa disso -, revela.

Atualmente, com a documentação em dia e os devidos registros, a rede de colaboradores é extensa e a creche funciona regularmente sem problemas.

– O próprio governador Tião [Sebastião] Viana e a sua esposa, o prefeito, sempre nos perguntam se estamos precisando de alguma coisa, e o que falta a gente complementa -, assegura.

O terreno onde hoje está construída a Federação Espirita, e que pouca gente sabe, um dia abrigou uma casa de umbanda, também foi doado por Manduca e foi graças as suas doações que foram erguidos os centos do Tucumã e Tancredo Neves.

O terreno da 6 de Agosto, onde funciona o centro espírita Amor e Caridade foi doado pela Dona Francis (Agroboi). Ela também é mantenedora da sopa que servimos aos idosos no local, registra agradecido.

Apesar de a Federação Espirita manter vários centros em Rio Branco e em outros municípios, para o Doutor Medeiros o trabalho mais importante está na creche. É para lá que foram direcionados os frutos do seu trabalho durante todos esses anos no Acre.

– Se eu não fosse espírita, provavelmente, eu seria igual a meus amigos, fazendeiro, dono de empresa, a minha fazenda é a creche, tudo que eu ganhei, tirando o necessário para a minha sobrevivência e da minha família, eu investi lá -, assegura.

88888Dr. Medeiros 59a

Opção de vida que nunca escondeu de ninguém

– Certa vez, foi realizado um congresso de Pediatria aqui em Rio Branco e numa conversa com um professor de Curitiba ele me indagou: você deve ser dono de uma grande fazenda aqui no Acre? Respondi sim, vou mostrar ao senhor, é bem pertinho… ai levei ele na creche.

De acordo com Doutor Medeiros, o episódio foi marcante para ele e para o professor. Quando eles chegaram no local, as crianças haviam acabado de almoçar e estavam na sala de descanso, tirando um cochilo, deitadas em suas toalhas estendidas ao chão.

– Ai ele começou a chorar, pediu para fazer fotos e disse que iria mostrar nos congressos que participasse pelo Brasil -, relata feliz.

Trabalho voltado aos necessitados

A creche, que inicialmente atendia 150 crianças, de zero a seis anos, hoje recebe 130, na faixa etária de dois a quatro anos, em horário integral, de segunda a sexta-feira. No local, além de alimentação, instrução, atendimento médico e odontológico, elas recebem amor e muito carinho.

Doutor Medeiros ressalta ainda que a creche não faz distinção de religião. A única exigência para o ingresso é que a criança seja realmente necessitada e que não tenha com quem ficar para a sua mãe trabalhar.3333Dr. Medeiros 62

– Aqui não temos religião para as crianças, ensinamos uma doutrina cristã que é para todo mundo. Também não perguntamos na ficha de matricula se tem religião, perguntamos se tem necessidade, é para os necessitados – faz questão de deixar claro.

A seleção acontece todo início de ano, no mês de janeiro.

– Contamos com a ajuda de uma assistente social para selecionar as crianças que realmente precisam, explica.

O atendimento médico é mantido pelo próprio Doutor Medeiros e o odontológico pelo Dr. Lira, militar aposentado, que além do trabalho voluntário custeia do próprio bolso os materiais utilizados nos tratamentos. O dentista Luciano Zago também atende como voluntário na creche. O atendimento também é estendido as mães das crianças.

A diretora da creche também atua de forma voluntária, já os professores e demais servidores são todos remunerados, fazendo jus a todos os benefícios que a lei os assegura.

E lá, na sua creche Lar da Criança, que o Doutor Medeiros diz viver os melhores dias de sua vida, e revela, por lá já passaram muitos advogados, contabilistas, empresários e tantos outros profissionais.

– Infelizmente não conseguimos atender nem 10% das pessoas que nos procuram. As pessoas reclamam e a gente explica. Não podemos salvar todos, mas seguimos salvando alguns -, observa com certo ar de tristeza.

– Muita gente conhece o evangelho, ler e não absolve, não se conscientiza. Por herança genética e social, o ser humano é muito ligado ao materialismo, então em todas as religiões nos querendo ver as coisas imediatas, nós pensamos pouco no futuro -, diz, convidando as pessoas a um momento de reflexão.

Fazer o bem sem olhar a quem

Hoje, aos 77 anos, aposentado há seis, Doutor Medeiros mantém os hábitos simples que adquiriu quando ainda criança, quando vivia ao lado dos pais e dos irmãos numa comunidade rural do Paraná.

Vive num apartamento modesto na capital ao lado da esposa Vera Lúcia, com quem contraiu matrimonio ao vir para o Acre e cujo padrinho de casamento foi o então governador Jorge Kalume.

– Ele ficou tão satisfeito com a nossa permanência aqui que se ofereceu para padrinho de casamento -, conta ele, entretanto, em nenhum momento da entrevista demonstra simpatia política por este ou aquele partido.1_Dr. MEDEIROS Familia

Da união nasceram três filhos, um mineiro e dois acreanos, um médico, um odontólogo e um economista.

E quem foi que disse que a aposentadoria parou o bom doutor. Ao contrário, ele acelerou ainda mais o ritmo de trabalho, e sob as críticas de alguns colegas mantém atendimento voluntário nos centros espiritas e também em alguns centros de saúde da capital.

Na terça-feira de manhã, o atendimento voluntário é no Posto de Saúde da Vila Ivonete, no horário da manhã, na área de pediatria. A fila de espera é longa, mas ele atende pacientemente a todos que necessitam.

– Tem poucos pediatras, estou bem, nunca fumei, nem bebi, faço um check up uma vez por ano, enquanto estiver precisando eu estarei aqui -, diz sorridente.

Na terça à noite, o atendimento é na seis de agosto, a partir das 19h. Só que em virtude do horário, o atendimento médico ocorre no Centro Espírita Amor e Caridade, ao lado do centro de saúde, e é voltado para idosos.

Na quinta-feira, no ambulatório do centro de saúde do Aeroporto Velho, quando conta com a ajuda do também voluntário, o ortopedista Dr. Vinicius.

– É um quebra galho, nós damos receita para hipertensos, diabéticos e encaminhamentos para aqueles que não tem tempo de enfrentar as filas da madrugada.

No domingo, enquanto a maioria descansa e curte aquele cochilo após o almoço, Doutor Medeiros inicia a partir das 15h, o atendimento no bairro Cidade Nova.

– Lá nossa prioridade é o idoso, estamos lá todo domingo, há 30 anos, sem falhar uma semana – , declara sorridente, e conclui – o limite do trabalho é o limite da força. Enquanto eu tiver força vou manter os atendimentos. Se duvidar eu fico mais feliz do que o próprio paciente.

“Eu sou uma mão de obra, nasci para trabalhar”

Questionado por que nunca ingressou na política, haja vista seu grande legado social, ele responde:

– Sou uma mão de obra, nasci para trabalhar, a política ficou para pessoas que saibam administrar.

É evidente que os convites surgiram, e não foram poucos, mas todos recusados.

– Fui convidado várias vezes, porque o médico fica logo conhecido, então é fácil arranjar votos, mas eu tenho que fazer aquilo que sei. Eu seria um péssimo político, então fui um médico regular – , diz mostrando humildade.

Todavia, do seu jeito simples, ele nunca deixou de dar a sua opinião em prol da melhoria da coletividade e cita duas oportunidades que tentou, mas infelizmente foi vencido pela falta de vontade política dos governantes da época.

A primeira foi logo quando chegou aqui. Estavam abrindo ruas no centro da cidade. Então, ele sugeriu que ele alargasse as ruas porque elas estavam muito estreitas, e ficou frustrado com a resposta que obteve:

– isso aqui não vai prá frente, eu vou colocar uns tijolinhos aqui para dá uma melhorada.

6666Dr. MEDEIROS 29A segunda foi por ocasião da construção dos conjuntos habitacionais Cohab do Bosque e Floresta.

– O engenheiro era meu amigo, me mostrou as plantas, então eu disse rapaz cria vergonha, faz um negócio melhor, alarga essas ruas para três carros. Ele foi no governador e pediu autorização para mudar o projeto, mas este disse que não, pois o dinheiro que veio só dava para aquilo mesmo.

Doutor Medeiros ficou indignado, até pelo conhecimento que tinha na área de engenharia.

– Os dois conjuntos podiam hoje ter ruas amplas e o povo ter mais liberdade, ao invés disso, vivem espremidos por falta de espaço – , critica.

E durante todas essas décadas de trabalho, o médico manteve a sua postura de independência e nunca deixou de fazer sugestões aos pacientes famosos que passaram pelo seu consultório.

– Muitos daqueles que estão hoje com 55 e 60 anos foram meus pscientes -, constata.

Em defesa da profissão

– O médico quer obter êxito, ele não quer errar de jeito nenhum. A maioria dos casos de erro médico que se faz divulgação, na verdade é acidente de trabalho. A alegria do médico é dá alta ao paciente -, declara doutor Medeiros em defesa da profissão.

Como todo profissional, ele já passou pela experiência de perder uma vida enquanto estava tentando salvá-la, e assegura que a equipe sofre igual ou até mais que a família, porque a cobrança em torno do médico é maior.

  • Você está tentando salvar a vida o camarada pifa, então aquilo já e um grande sofrimento, no inconsciente você já está condenado.

Situações que aprendeu a lidar desde logo ainda no período de residência médica e nunca deixou de dizer a seus pacientes que qualquer pessoa está paciente de óbito.

– Qualquer um de nós pode morrer, Deus leva na hora que ele achar que deve levar e ninguém e insubstituível. Como espirita estou convencido que para o indivíduo a vida continua após a morte, e a possibilidade de comunicação com essa criatura que já morreu é um consolo.

Como exemplo de consolação, ele cita o caso de um homem que chegou ao hospital com a mulher em estado grave e, em desespero, recomendou ao médio, seu professor, que esta não podia morrer porque o casal tinha 12 filhos. Não teve jeito, o coração da paciente parou e ela foi a óbito durante a cirurgia de emergência.

4444Dr. Medeiros 47– Acompanhei o meu professor na hora de dar a notícia ao marido. Ele colocou as mãos na cabeça e ficou em silêncio, estático. Mas que rapidamente, os parentes começaram a se aproximar e em questão de minutos ele distribuiu os 12 filhos, sob a promessa de que os mesmos retornariam as suas casas tão logo ele se recuperasse – , conta, acrescentando que Deus não desampara e mesmo na morte há uma consolação.

Quanto as acusações de erro médico, ele sai em defesa de um colega de profissão, já falecido, mas que segundo ele foi alvo de críticas infundadas.

– O Queiroz foi um grande médico [legista do IML do Acre que morreu de acidente], não deixava ninguém sem atendimento; o pessoal falava que ele deixava sequelas, mas depois fizeram ume estudo e ficou comprovado que a média de sequela por cirurgia ortopédica é de uma a cada dez. Ele operava 100 e deixava duas, três sequelas, na verdade foi um herói.

E dos muitos amigos que perdeu no exercício da profissão, um caso em especial, lhe marcou bastante, a morte do ginecologista obstetra Luiz Cachapuz.

– Ele morreu dentro do hospital, em frente ao centro cirúrgico, do lado da UTI, do lado do posto de saúde, sozinho, sem ninguém ver, relata entristecido.

No dia da morte, os dois haviam realizado oito cesarianas e encerrado os trabalhos por volta de meia noite.

– Eu era anestesista dele. Terminou as cirurgias ele foi para o repouso e pergunte se ele não iria me chamar mais naquela noite. Ele disse não, já limpamos o centro cirúrgico e eu vou dormir.

De acordo com o doutor Medeiros, Cachapuz fumava muito e comia bastante comida gordurosa, o que fez subir o seu colesterol e aumentar os risco de um infarto. Mas ele tinha iniciado o tratamento, todavia, mantinha o ritmo de trabalho.

– O infarto foi fulminante e desencarnou deixando o seu legado -, declara.

“Na verdade não existe ateu, existe indivíduo que está de bolso cheio…

Para o Doutor Medeiros não existe ninguém ateu. O que existe é o indivíduo que está com o bolso cheio de dinheiro, a barriga cheia, vida boa, carro na garagem, ar condicionado.

– Ai ele é ateu na hora que não está precisando, mas na hora que a barriga dói, que o médico fala o seu caso é grave, ai ele procura o padre, o pastor, o centro espírita, ou ele mesmo faz uma prece pedindo para Deus não deixar ele morrer, justifica sua posição.

5555Dr. MEDEIROS e Dulcineia

Agradecimento especial a ac24horas

“Agradeço a ac24horas pela oportunidade. Todo mundo diz, os jornais, as tvs, os sites só mostram coisa ruim. Eu digo, não tem muita coisa boa, no Acre todo tem muita coisa boa, o povo tem que conhecer, a sociedade para viver bem precisa de harmonia e que cada um faça a sua parte”.

111Dr. MEDEIROS_ALBUM

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